Chegou a hora de abrir a caixinha, soltar a poita e deixar de lado o medo de decidir!
Introdução
Pois bem, há tempos nos deparamos com agentes públicos com o pavor de serem sancionados pelas Cortes de contas e que acabam, em muitos casos, deixando de exercer o experimentalismo que pode atrair melhores propostas para a Administração.
Não por acaso, Santos (2022) escreveu com sabedoria a obra Direito Administrativo do medo: risco e fuga da responsabilização dos agentes públicos, ou melhor, apagão das canetas.
Vale ressaltar que, para buscarmos propostas mais vantajosas e atendermos o interesse da coletividade, por vezes precisamos deixar as amarras de uma legalidade classista que impõe ao gestor fazer somente o que se encontra descrito na lei, sem olhar para outros princípios como: razoabilidade, eficiência, eficácia e, sobretudo, a supremacia dos interesses públicos, que em muitas circunstâncias conduzem à tomada de decisões mais benéficas para a Administração e, por conseguinte, a coletividade.
Entendemos, conforme aduz o mestre Ronny Charles (TORRES, 2023b), que:
“ao buscar a interpretação de um texto legal, é fundamental soltar velhas poitas, respeitando a autonomia normativa do texto produzido pelo legislador para evitar o equívoco hermenêutico de tentar compreender a norma nova com olhos fitos no retrovisor que aponta para a norma antiga, prejudicando interpretações que respeitem a evolução pretendida pelo texto legal.”
Ademais, em tempos em que é cada vez mais comum ouvirmos falar sobre indústria 4.0, internet das coisas, computação em nuvem, ChatGPT, IA etc., algumas perguntas surgem em nossas mentes: será que, além das amarras burocráticas de um passado, que ainda insiste em permanecer, a evolução tecnológica será capaz de substituir o homem em todas as suas vertentes?
No âmbito das licitações, evidentemente que a tecnologia veio para somar, pois, além de dar maior celeridade aos procedimentos, torna-os, sobretudo, mais transparentes. Contudo, é preciso entender que a figura humana sempre será necessária, ou seja, jamais podemos afastar as habilidades intrínsecas do homem, como, por exemplo, razoabilidade, ponderação, persuasão, entre outras – desenvolvidas na condução das licitações. Todavia, o agente de contratação 4.0 moderno necessita a cada dia se capacitar, atualizar, abrir a caixinha, soltar a poita e ser cada vez mais diligente, pois ele sempre será o protagonista e jamais o coadjuvante.
Perguntas ao Mestre Ronny Charles – Curso Premium – Turma 5
A partir dessas premissas, convidamos o leitor a abrir a caixinha e pensar a partir de algumas indagações, que para muitos podem até serem perguntas irrelevantes, no entanto, é necessário evoluir a fim de buscar o espírito da lei. É evidente que outras perguntas surgirão para todos nós no cotidiano das licitações, haja vista que estamos diante de uma “nova” Lei.
FABIO:
1 – “Digamos que, hipoteticamente, o edital foi publicado com orçamento sigiloso e, no entanto, se perceba que o estimado pela Administração está inferior ao praticado no mercado. Nesse caso, há possibilidade de refazer a pesquisa e, caso se verifique que a proposta do licitante, nesta situação hipotética, condiz com a realidade do mercado, é possível aceitar a oferta, após as devidas justificativas e negociações frustradas?” (25/03/2023)
2 – “Quanto ao orçamento estimado sigiloso, verifica-se na lei, no artigo 24 da NLLCA, que esta usa o termo “estimado”, e não “valor máximo”. Nesse sentido, se após as fases de lances e negociações frustradas a oferta permanecer acima do estimado pela Administração e, nesse caso, for o único licitante/ofertante para o item, ou seja, não há como aplicar a regra do § 1º do artigo 61 da NLLCA para desclassificar e buscar negociar com os demais licitantes na ordem de classificação, como proceder? Devemos considerar a licitação fracassada para o item em questão ou podemos refazer a pesquisa para verificar suas inconsistências e, caso constatado, justificamos e aceitamos a oferta?” (27/03/2023)
RONNY CHARLES:
1 – “Olá, Fabio! Primeiro é importante esclarecer que não deve o órgão, sob o pretexto de ter-se definido pelo orçamento sigiloso, deixar de finalizar a estimativa de custos antes da publicação do edital. Em situação semelhante, no Regime Diferenciado de Contratações, o TCU já se posicionou no sentido de que a elaboração do orçamento base após publicação do edital é ilegal, ainda quando adotado o sigilo do orçamento. Ademais, o § 1º do art. 61 da NLLCA indica que poderá ser feita negociação com os demais licitantes, segundo a ordem de classificação inicialmente estabelecida, quando o primeiro colocado, mesmo após a negociação, for desclassificado em razão de sua proposta permanecer acima do preço máximo definido pela Administração. Em princípio, não é admitida a renovação da pesquisa (e da estimativa de custos) durante a fase externa da licitação, contudo, você tem razão, os motivos que fundamentam essa vedação inexistem com o orçamento sigiloso. Trato sobre isso na última edição de meu livro, mas bom explicar que essa possibilidade ainda não possui precedente jurisprudencial, salvo engano. Seria mais seguro regulamentar o tema. Atenciosamente, Ronny Charles.” (03/04/2023)
2 – “Olá, Fabio! Como sabido, o preço máximo a ser praticado na contratação poderá assumir valor distinto do preço estimado na pesquisa de preços. Assim, é possível ao órgão licitante definir um limite para a contratação (preço máximo) superior ao identificado na pesquisa de preços (preço estimado ou de referência). Bom registrar, mesmo que a pesquisa de preços seja bem realizada, que diversas nuances podem justificar que o certame adote um preço máximo superior ao preço estimado. Podemos citar, por exemplo, a situação na qual entre o momento de realização da pesquisa de preços e o momento da realização da licitação já se passaram diversos meses. Em outras situações, o preço máximo pode ser definido em patamar inferior ao preço estimado, quando, por exemplo, os preços daquele mercado se encontram em viés de baixa. Assim, o preço máximo poderá ser definido com base no preço estimado na pesquisa de preço, acrescido ou subtraído de determinado percentual, de forma justificada. O ideal seria atualizar a pesquisa de preços antes da publicação do edital. Atenciosamente, Ronny Charles” (03/04/2023)
FABIO F.:
“Prezado professor, sobre o art. 8º, § 4º, “Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar os agentes públicos responsáveis pela condução da licitação”. O senhor acredita que por intermédio de Termo de Cooperação Técnica entre os órgãos poderia outro servidor que detenha a expertise na contratação do objeto pretendido, de forma transitória, assessorar os agentes públicos responsáveis pela condução da licitação?” (11/04/2023)
RONNY CHARLES:
“Olá, Fabio! Tudo bem? Embora a lei mencione explicitamente a contratação de serviços de empresas ou profissionais especializados, a ideia de estabelecer um Termo de Cooperação Técnica entre órgãos para que um servidor com expertise no objeto pretendido possa assessorar os agentes públicos temporariamente parece estar alinhada com o espírito da lei. A intenção é garantir que os agentes públicos responsáveis pela licitação recebam o apoio necessário para tomar decisões bem fundamentadas e realizar a contratação de forma eficiente. Contudo, é importante salientar que essa interpretação deve ser analisada e confirmada no âmbito do órgão ou entidade e, se necessário, buscar orientação jurídica especializada para garantir a legalidade e conformidade do procedimento. Atenciosamente, Ronny Charles.” (20/04/2023)
Nesse sentido, a fim de enriquecer o presente artigo, bem como para conhecimento do leitor, citamos como exemplos:
Decreto nº 1.525, de 23/11/2022, do Governo do Estado de Mato Grosso: “Art. 6º É possível a designação de agente de contratação estranho ao órgão ou entidade promotora da licitação caso haja decisão administrativa coordenada ou portaria conjunta dos órgãos ou entidades envolvidos”.
Decreto nº 38.134, de 06/03/2023, do Governo do Estado do Maranhão: “Art. 6º É possível à designação de agente de contratação estranho ao órgão ou entidade promotora da licitação caso haja decisão administrativa coordenada ou portaria conjunta dos órgãos ou entidades envolvidos”.
ALUNO PREMIUM:
“Querido professor, gostaria de saber sua posição sobre o inc. II, a respeito dos requisitos alternativos, a questão da certificação por escola de Governo, coloca as escolas particulares em situação um pouco ruim (onde servidores questionam se certificados de cursos de escolas particulares atendem a este requisito e a resposta precisa ser não). O Doutor acha que podemos ter uma interpretação ampla admitindo também escolas particulares como possível de emitir tal certificação “escola de Governo”. Obrigada!” (22/03/2023)
RONNY CHARLES:
“Em relação ao inciso II do art. 7º da NLLCA, no que tange à formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público, trata-se de uma diretriz, que deve ser compreendida como norma materialmente geral, a ser perseguida pelos órgãos e entidades públicas, na medida de suas possibilidades. Embora a lei não mencione especificamente a possibilidade de certificação por escolas particulares, entendemos que isso não significa necessariamente que tais certificações não sejam aceitáveis. Nesse sentido, a interpretação da expressão “escola de governo” pode ser um assunto que gere divergências, já que a lei não a define de forma precisa. Algumas escolas particulares podem oferecer programas de formação que atendam aos requisitos estabelecidos pela lei e sejam equivalentes em termos de qualidade e rigor técnico às escolas de governo criadas e mantidas pelo poder público. No entanto, entendemos que a decisão final sobre a aceitação ou não de certificações emitidas por escolas particulares como prova de qualificação para as funções relacionadas a licitações e contratos cabe à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, conforme estabelecido pela própria lei. Atenciosamente, Ronny Charles.” (03/04/2023)
FABIO F. (complementando a pergunta anterior):
“A fim de fomentar o debate, permita-me expor minha humilde opinião sobre o tema: Acredito que a parte final da redação do inciso poderia dispor da seguinte forma: “ou, ainda, por empresa de notória especialização”. Ou seja, como última alternativa, também a possibilidade de escolas privadas, visto que muitos entes da federação não possuem escolas de governo, se bem que com o advento da internet, escolas como a ENAP, Tribunais de Contas etc. vêm ministrando cursos online de excelência, o que pode contribuir para sanar as dificuldades dos entes. Oportunamente, seria interessante o Legislador aproveitar a prorrogação da lei para melhorar a redação do inciso II do artigo 7º.” (10/04/2023)
RONNY CHARLES:
“Olá, Fabio! Seria interessante que o dispositivo tivesse uma melhor redação, realmente. De qualquer forma, embora a lei não mencione especificamente a possibilidade de certificação por escolas particulares, acredito que é possível interpretar a alternativa de “formação compatível” de maneira mais ampla, envolvendo não apenas Cursos de pós-graduação, mas cursos profissionais com determinada carga horária. É um problema que pode ser superado com boa regulamentação. Atenciosamente, Ronny Charles.” (16/04/2023)
FABIO F.:
“Professor, muito boa tarde. No caso de prorrogação da ARP, sabemos da grande polêmica a respeito da renovação dos quantitativos registrados. Não seria uma solução jurídica a ser construída pelos entes (Estados e Municípios) a possibilidade de utilizar os quantitativos (bens) do licitante que aceitou ser reserva do detentor do menor preço homologado para determinado(s) item(ns), na impossibilidade de renovar o quantitativo ou não aceitação do fornecedor original? Um exemplo: Licitante A registra (800 unid.) e o órgão consome sua totalidade, no entanto, necessitará de mais unidades etc., mas A não aceita ou não pode renovar. Nesse caso, não seria mais vantajoso para a Administração seguir esse caminho com o reserva do que realizar um novo processo para os itens em questão?” (31/05/2023)
RONNY CHARLES:
“Fabio, excelente questão! Vejo sim como uma boa solução, até porque, tendo cadastro de reserva ou licitantes remanescentes registrados, não vejo razão para evitar a possibilidade de prorrogação da ata. Atenciosamente, Ronny Charles.” (06/06/2023)
Nesse sentido, a fim de enriquecer o presente artigo, bem como para conhecimento do leitor, o professor Ronny Charles (2023b) aduz: “[…] parece-nos que o legislador, ao se referir à prorrogação da Ata, optou pela possibilidade de renovação do instrumento, o que repercute na possibilidade de renovação dos quantitativos inicialmente previstos para o ciclo anual original”.
FABIO F.:
“Professor, bom dia. Quando se tratar de inversão de fases (habilitação × julgamento de proposta) defendo a ideia de que seria muito mais interessante para a Administração, mesmo que não seja obrigatório, realizar sempre o procedimento auxiliar da pré-qualificação subjetiva total e restrita, pois, com base no seu resultado, caso o órgão ou entidade conclua na fase de planejamento que será mais vantajoso inverter as fases, poderá usar os já pré-qualificados. Desse modo, não perderá mais tempo com essa fase (habilitação), uma vez que já foi realizada previamente.” (03/06/2023)
RONNY CHARLES:
“Concordo plenamente. Esta é uma função bem interessante da pré-qualificação. Por outro lado, interessante perceber também que, com a pré-qualificação subjetiva e o registro cadastral, se eles condicionarem a participação na licitação, à inversão de fases pode se tornar desnecessária. Atenciosamente, Ronny Charles.” (06/06/2023)
FABIO F.:
1 – “Muito bom dia, mestre Ronny. O senhor entende que o formalismo moderado tem sustentação também no artigo 37, XXI, da CRFB/1988?”
2 – “Na fase de habilitação, sobre juntada de documentos novos, o artigo 64 veda, salvo em diligência para complementar informação de documentos juntados anteriormente, e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame […]. Na fase de aceitação de propostas não vislumbramos a mesma vedação de juntada de documentos. Nesse caso, o mestre entende ser possível juntar documentos/propostas, mesmo após o prazo? Exemplo, o licitante dentro do prazo de apresentação da proposta encaminhou apenas o folder (por motivos que desconhecemos – esquecimento etc.), ou seja, não enviou a proposta detalhada com quantitativos, preços unitários da sua proposta, validade da proposta etc., o que foi constado no momento de análise das propostas. Nesse caso, podemos solicitar o documento/proposta?” (04/06/2023)
RONNY CHARLES:
1 – “Interessante, poderíamos até extrair do artigo 37, XXI, quando ele se reporta às exigências apenas indispensáveis, mas penso que esse dispositivo vai muito mais além. Veja, exigências em que o formalismo moderado busca fundamento nesse dispositivo nem sequer deveriam existir na licitação.”
2 – “Em relação à segunda questão, penso que, no que se refere à habilitação, o legislador, legitimamente, restringiu a aplicação do formalismo moderado. Em relação às propostas, há espaço maior para sua aplicação, mas isso sempre dependerá das nuances do caso concreto. Atenciosamente, Ronny Charles.” (06/06/2023)
Nesse sentido, a fim de enriquecer o presente artigo, bem como para conhecimento do leitor, o professor Ronny Charles (TORRES, 2023a, p. 631) aduz: “se em relação às propostas a possibilidade de saneamento de falhas restou aberta, em relação à habilitação, o artigo 64 da Lei nº 14.133/2021 impôs certa restrição à correção de falhas pelos licitantes”.
Com o mesmo entendimento, Niebuhr (2023, p. 626) aduz: “[…] o inciso I do artigo 64 permite o saneamento de defeitos nos documentos de habilitação de modo bem restrito […] o inciso I do artigo 59, que, ao tratar das propostas, permite o saneamento de defeitos de modo amplo, sem a mesma restrição”.
FABIO F.:
“Apesar de o art. 32 não versar sobre o tema, o senhor acredita ser possível que o resultado (digo, solução – alternativa encontrada) no diálogo competitivo de um determinado órgão ou entidade possa atender outros (explicando melhor, aquela solução também é capaz de atender exatamente às necessidades de outros, devidamente verificado após os estudos técnicos)? Caso seja possível, poderíamos permitir adesão mesmo sendo o SRP apenas para o pregão ou concorrência? (Estados e Municípios) poderiam regulamentar tal situação nesse sentido?” (05/06/2023)
RONNY CHARLES:
“Muito interessante a questão! Acredito que a Lei não admite o SRP para a modalidade diálogo competitivo nem acho que ele seja, a priori, compatível com a demanda vocacionada para esta modalidade. De qualquer forma, talvez fosse possível que, uma vez identificada a solução, o respectivo documento de planejamento fosse usado como base para os documentos de planejamento de outras licitações. Atenciosamente, Ronny Charles.” (06/06/2023)
FABIO F.:
“Boa noite, doutor. Na presente aula o mestre fala de um filtro para afastar licitantes irresponsáveis, tendo em vista o modelo de análise de proposta ser posterior ao da habilitação. Nesse sentido, defendo que a pré-qualificação subjetiva seria exatamente esse filtro e, penso mais, acredito que a pré-qualificação subjetiva trata-se, na verdade, de uma espécie de diligência antecipada, pois nesse momento o órgão poderá com tranquilidade analisar e sanear os documentos da empresa, com possibilidade até da juntada de documentos novos conforme art. 80, § 4º. Ou seja, ótima oportunidade para jogar uma pá de cal na atual celeuma da possibilidade ou não de juntar documentos novos, sobretudo, que a pré-qualificação estará permanentemente aberta. O que o mestre pensa dessa sugestão?” (11/06/2023)
RONNY CHARLES:
Olá, Fabio! Excelente ponderação. A pré-qualificação subjetiva pode ser um mecanismo eficiente para filtragem diligente dos licitantes, garantindo uma análise mais apurada e eficiente do atendimento aos requisitos predeterminados de qualificação, ainda mais tendo em vista que a Lei nº 14.133/2021 admite que “A licitação que se seguir ao procedimento da pré-qualificação poderá ser restrita a licitantes ou bens pré-qualificados” (§ 10 do art. 80). Atenciosamente, Ronny Charles. (20/06/2023)
Nesse sentido, a fim de enriquecer o presente artigo, bem como para conhecimento do leitor, vale ressaltar que, assim como o professor Marcos Nóbrega (NÓBREGA; JURUBEBA, 2021), acreditamos que a pré-qualificação se trata de um dos mecanismos criados pelo legislador federal na Lei nº 14.133/2021 que podem minorar as assimetrias de informação no intuito de mitigar seleções adversas.
Entendemos que a pré-qualificação, subjetiva e total, cuja análise da documentação de habilitação será antecipada, se trata, sim, de excelente mecanismo de revelação de informações técnicas dos licitantes, na qual se criará um banco de fornecedores qualificados para futuras licitações, sendo desnecessária, por exemplo, a inversão de fases (habilitação × proposta) quando o estudo técnico preliminar assim indicar.
Ainda sobre o tema (pré-qualificação), é de suma importância trazer o entendimento do Ministro Zymler (ZYMLER; DIOS, 2014):
“[…] de acordo com os resultados, pode se decidir, por exemplo, pela realização de licitação, caso se verifique haver potencial para uma ampla competição, ou até mesmo, pela desistência da contratação, caso se verifique a ausência no mercado de um número adequado de fornecedores ou bens.”
Análise do contexto
Com efeito, diante das indagações, e muitas podem estar descritas ou não na lei, podemos refletir em como proceder em diversas situações, já que nem sempre o arcabouço jurídico nos trará respostas consistentes para a tomada de decisões.
É bem verdade que muitos de nós esperávamos que, com o advento da NLLCA nº 14.133/2021, o engessamento do passado restaria sepultado, porém isso não ocorreu. Nesse sentido, Di Pietro (2021, p. 4) argumenta sobre o excesso de formalismo, excesso de pormenores e excesso de normas que caminham em sentido inverso ao da apregoada e tão esperada desburocratização.
Sabemos que, de fato, a NLLCA se trata de um “museu de grandes novidades”, uma vez que sua evolução ocorreu a partir das boas práticas sedimentadas em leis espaças, na doutrina e jurisprudências dos Tribunais Superiores e Cortes de Contas, conforme já mencionado por Rafael Oliveira (2020).
Ocorre que nem todas as boas práticas sedimentadas, como supramencionado, foram incorporadas ao corpo da NLLCA, fazendo com que esta não seja disruptiva. Ronny Charles (TORRES, 2023a, p. 43) argumenta sobre: “a velha fórmula de realização da licitação, com um procedimento repleto de steps de controle […] com sua lógica burocrática e formalista”.
É claro que houve avanços, mas a lógica burocrática e formalista ainda é presente. Por outro lado, por exemplo, a Lei das Estatais nº 13.303/2016, que é uma das fontes de inspiração para muitos dos dispositivos da Lei nº 14.133/2021, dispõe em seu artigo 31 acerca dos princípios. Vejamos:
Art. 31. As licitações realizadas […] por empresas públicas e sociedades de economia mista […] devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo. (Grifamos)
Claramente o dispositivo não menciona o princípio da legalidade, entretanto, essa técnica não significa que a jurisdicionalidade não será respeitada em prol dos interesses da coletividade.
Ocorre que, com sabedoria, uma das fontes (Lei das Estatais) de inspiração da NLLCA tem como norte as diretrizes. Barcelos (2020, p. 249) leciona que diretriz dá uma orientação, traça uma linha a seguir, um propósito a ser perseguido pelo Poder Público, mas não como uma regra ou modelo obrigatório.
Ao contrário, a Lei nº 14.133/2021 traz avanços pontuais, como bem nos ensina Niebuhr (2023, p. 48):
“[…] a nova lei reproduz a mesma gênese excessivamente burocrática, excessivamente formalista, excessivamente engessada e excessivamente desconfiada da Lei nº 8.666/1993. Esse é o maior pecado de uma lei que caiu na armadilha burocrática de tratar tudo em pormenor, de amarar, de exgir punhados de justificativas para qualquer coisa, documentos e mais documentos, até para compras simples e usuais. […] As novidades são periféricas.” (Grifamos)
São exatamente esses pormenores de amaras, de exigir punhados de justificativas para qualquer coisa, documentos e mais documentos, que fazem com que os agentes públicos que trabalham no âmbito das licitações desenvolvam uma espécie de síndrome robótica, que se trata de um fenômeno capaz de torná-los meros repetidores das leis, ou seja, são programados a fazerem só o que está escrito nas leis, sem que tenham a possibilidade de inovar na busca de soluções mais benéficas para a sociedade, e isso não porque são incapazes, mas sim pelo temor de serem sancionados pelos órgãos de controle.
De outra banda, a Lei das estatais nº 13.303/2016 é totalmente pragmática, veja no que se refere à habilitação, por exemplo, Barcelos (2020, p. 446):
“O artigo 58 engloba praticamente uma revolução, em relação às exigências habilitatórias nas licitações, quando comparado seu regramento com o estabelecido outrora pela Lei nº 8.666/1993. Duas nuances se destacam. A primeira, a Lei expressamente exclui parâmetros habilitatórios […] A segunda, em vez de adotar um rol taxativo […] A Lei das Estatais estabeleceu os parâmetros sem indicar taxativamente a forma de sua exigência […].” (Grifamos)
Já a Lei nº 14.133/2021, por continuar com suas amarras burocráticas, poderá ser uma grande incentivadora para os agentes públicos criarem estratégias de fuga da responsabilização, por medo, diante dos riscos de suas decisões.
Santos (2022, p. 362-364) elenca um rol exemplificativo de tipos de estratégias de fuga da responsabilização, que resumidamente destacamos:
- Estratégia de delegação: em que a norma jurídica prevê a delegação ou mesmo a responsabilização solidária dos envolvidos no processo decisório, o que equivale ao compartilhamento do risco enquanto espécie de tratamento do risco;
- Estratégia da abstinência decisória: em que, a despeito do dever de tomada de decisão, adota-se a inação como mecanismo, visando adiar a decisão ou mesmo nada decidir;
- Estratégia de judicialização ou substituição decisória externa: que consiste em deixar de decidir ou decidir contrariamente aos interesses do cidadão, esperando que o judiciário decida no lugar do administrador, como forma de blindagem;
- Estratégia de blindagem patrimonial: que consiste em transferência dos bens a terceiro, mesmo antes de tomar posse em cargo público, visando preservar seu patrimônio pessoal, diante do elevado risco de ter declarado indisponíveis seus bens.
Ocorre que essa fuga, por medo de decidir, não é salutar, visto que poderá acarretar paralisia administrativa, trazendo prejuízos, uma vez que, ao buscar o melhor para a sociedade em cotejo com os riscos negativos da decisão, o agente acaba por escolher o caminho da mediocridade.
Santos (2022, p. 352) aponta como principais causas do medo de decidir na realidade brasileira, resumidamente: normas jurídicas que regem a atividade administrativa excessivamente abertas, hiperinflação legislativa que impossibilita ao agente conhecer todas e, ainda, pouca deferência dos órgãos de controle externos às decisões tomadas pelos agentes públicos controlados.
E, ainda, o autor com maestria aduz:
“[…] no Brasil, o risco de os agentes ordenarem despesas públicas ou tomar decisões administrativas é muito mais elevado do que em outros países. A probabilidade de eventual responsabilização por essas decisões é extremamente elevada. Isso decorre diretamente do controle externo disfuncional.” (SANTOS, 2022, p. 345) (Grifamos)
Contudo, precisamos evoluir, pois, apesar de os avanços da Lei nº 14.133/2021 serem pontuais, eles são significativos e possibilitam, ainda que timidamente, o desenvolvimento de técnicas de gestão mais ousadas em prol dos interesses públicos. Sobretudo, o controle disfuncional dos órgãos externos deve ser combatido, e não ser um empecilho para o progresso, ademais que com a nova lei eles (órgãos de controle) fazem parte da terceira linha de defesa.
E nos parece que o posicionamento da mais alta Corte de Contas está mudando, conforme assentado no Acórdão 572/2022 – TCU – Plenário. Vejamos:
[…] considerando o princípio da eficiência insculpido no art. 37 da Constituição Federal e as disposições previstas no art. 169 da Lei 14.133/2021, deve o interessado acionar inicialmente a primeira e a segunda linha de defesa, no âmbito do próprio órgão/entidade, antes do ingresso junto à terceira linha de defesa, […], sob pena de poder acarretar duplos esforços de apuração desnecessariamente, em desfavor do erário e do interesse público; […]. (Grifamos)
O mestre Ronny Charles (TORRES, 2023a, p. 79) nos ensina: “É necessário desenvolvimento de técnicas de gestão pública, de simplificação de procedimentos […] vinculando à Administração Pública ao ordenamento jurídico como um todo e não apenas à lei”.
Por isso, é necessário abrir a caixinha, soltar a poita e deixar de lado o medo, que engessa os agentes e faz surgir síndromes como a robótica, tornando agentes extremamente capazes em meros repetidores do que está descrito nas leis, impedindo-os de ousar de inovar.
É imprescindível inovar e experimentar e, nesse sentido, para ilustrar, recomendamos leitura de excelente artigo de Gonçalves Filho (2023) intitulado: “Momento de assinatura da ata de registro de preços: Sugestão para agilizar o procedimento”.
No referido artigo, o autor narra caso concreto e propõe a antecipação da assinatura da ata pelo licitante classificado provisoriamente em primeiro lugar, como medida de celeridade ao procedimento em busca de maior eficiência, eficácia e segurança para a Administração. A proposta de assinatura antecipada poderá ocorrer em dois momentos, quais sejam: A primeira, no instante das declarações, por exemplo, que o licitante cumpre plenamente os requisitos de habilitação definidos no edital. A segunda, no momento de incluir os anexos/documentos de habilitação no sistema.
Vale ressaltar que, no referido caso, 90% dos licitantes encaminharam as atas conforme solicitado, o que reduziu significativamente o prazo, tendo em vista que trouxe maior celeridade ao procedimento, corroborando com a eficiência e eficácia.
Com sabedoria Ronny Charles (TORRES, 2023a, p. 246) defende “que é necessária certa evolução para uma melhor compreensão da licitação como um ‘mecanismo’ […] de forma a ser aprimorado. Para isso, defende o respeito ao experimentalismo […]”.
Na mesma linha de entendimento, Dionísio (2019, p. 159) argumenta:
“A cultura de intolerância ao erro do gestor é, ainda, um grande desincentivo a inovações […]. Soluções inovadoras têm o condão de reduzir os custos da máquina administrativa, economizando recursos públicos, e torna a atuação do estado mais eficaz. Além disso, essa cultura desencoraja a prática do experimentalismo […] por parte do gestor, peça fundamental na promoção da inovação na Administração Publica, e prejudica a adequada administração de riscos.” (Grifamos)
Conclusão
Por isso, acreditamos que práticas/experimentalismos, desde que não reverberem em prejuízos para os licitantes, mas que, por outro lado, tragam benefícios para a Administração, devem ser implantados, até que os costumes positivos sejam efetivamente convertidos em regulamentos, sobretudo, porque estamos diante de novos desafios, logo, o administrador tem todo o direito de errar, de cometer equívocos na interpretação dos normativos, bem como na apreciação de fatos que embasam sua decisão sem que, por isso, esteja sujeito à responsabilização pessoal, nem seja necessário usar de subterfúgios, ou melhor, de estratégias para fugir da responsabilização de suas decisões. Oportuno ainda é dizer que não é nossa pretensão esgotar o debate ou tê-lo como pronto e acabado, mas sim abrir espaço para um debate construtivo. Solta essa poita!!!!
Referências
A NOVA LEI DE LICITAÇÕES – CURSO PREMIUM, 2023. Disponível em: https://anovaleidelicitacoes.club.hotmart.com/lesson/k7QxJNLxey/seja-bem-vindo(a). Acesso em: 18 jun. 2023.
BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Licitações e contratos nas empresas estatais: regime licitatório e contratual da Lei 13.303/2016. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivim, 2020.
BRASIL, Lei de nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Planalto.gov, Brasília, DF, 01 abr. 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 15 jun. 2023.
BRASIL, Lei nº 13.303, de 30 junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Planalto.gov, Brasília, DF, 30 jun. 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13303.htm. Acesso em: 15 de jun. 2023.
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