Descubra como Estados e Municípios podem recuperar o Imposto de Renda Retido na Fonte em contratações públicas, maximizando recursos financeiros.
Contexto e Importância da Recuperação do Imposto de Renda
Nos últimos anos, tem-se observado um interesse crescente por parte dos Estados e Municípios na recuperação de valores pagos a título de Imposto de Renda Retido na Fonte em contratações públicas.
Objetivo do Artigo
Essa preocupação é motivada pela necessidade de maximizar os recursos financeiros disponíveis para a gestão pública, especialmente em um cenário de restrições orçamentárias.
Fundamentos Legais da Recuperação do Imposto de Renda
Competência Federal e Constitucionalidade
Artigo 153 da Constituição Federal
Segundo o art. 153 da Constituição Federal, o Imposto de Renda é um tributo de competência federal que incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza de pessoas físicas e jurídicas.
Artigos 158 e 159 da Constituição Federal
Embora o IR seja um tributo federal, a Constituição Federal, em seu artigo 158, I, e 159, I, da CF, estabelecem que pertencem aos Estados e Municípios o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre os rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem.
Histórico e Interpretações da Receita Federal
Solução de Consulta nº 166/2015 – Cosit
Durante vários anos prevaleceu o entendimento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, por intermédio da Solução de Consulta nº 166/2015 – Cosit, apresentava entendimento restritivo sobre a expressão rendimentos, constante nos arts. 157, I e 158, I da Constituição Federal: “…os Municípios podem incorporar diretamente ao seu patrimônio apenas o produto da retenção na fonte do Imposto de Renda incidente sobre rendimentos do trabalho que pagarem a seus servidores e empregados. Por outro lado, entende-se que deve ser recolhido à Secretaria da Receita Federal do Brasil o Imposto de Renda Retido na Fonte pelas Municipalidades, incidente sobre rendimentos pagos por estas a pessoas jurídicas, a exemplo do caso concreto narrado na presente consulta”.
Mudança de Entendimento em 2018
Decisão da Ministra Cármen Lúcia
Em 2018, a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, no âmbito da Petição 7.001, determinou a suspensão nacional das decisões de mérito que envolvem a interpretação do artigo 158, inciso I, da Constituição, tanto em processos individuais quanto coletivos.
Tema de Repercussão Geral 1130
Com a acolhida deste recurso, através do Tema de Repercussão Geral 1130, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: “Pertence ao Município, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos arts. 158, I, e 157, I, da Constituição Federal.”
Com base neste entendimento, reconheceu-se a obrigação constitucional dos Estados e Municípios de promoverem a retenção de Imposto de Renda dos valores pagos, não somente aos seus servidores públicos, mas também, de valores pagos a pessoas físicas e jurídicas em razões de contratações públicas em geral.
Impactos da Decisão do STF
Alterações na Instrução Normativa RFB nº 1234/2012
Após a publicação do tema 1130, a Secretaria da Receita Federal alterou a redação da Instrução Normativa RFB nº 1234, de 11 de janeiro de 2012, disciplinando o procedimento de retenção de tributos nos pagamentos efetuados pelos órgãos da administração pública a outras pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens e serviços.
Nova Redação do Art. 3º
O art. 3º da Instrução Normativa RFB nº 1234/2012, alterada pela IN/RFB n. 2145/2023, passou a ter a seguinte redação: “Art. 3º A retenção será efetuada aplicando-se, sobre o valor a ser pago, o percentual constante da coluna 06 do Anexo I a esta Instrução Normativa, que corresponde à soma das alíquotas das contribuições devidas e da alíquota do IR, determinada mediante a aplicação de 15% (quinze por cento) sobre a base de cálculo estabelecida no art. 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, conforme a natureza do bem fornecido ou do serviço prestado”.
Obrigatoriedade de Retenção do Imposto de Renda
Quanto à obrigatoriedade dos Estados e Municípios promoverem a retenção do Imposto de Renda dos atuais pagamentos, não há dúvida, em razão de sua titularidade constitucional em relação a estes valores.
Definição de José Cretella Júnior
Conforme muito bem definiu José Cretella Júnior, “o imposto de renda devido pelos servidores públicos da Administração direta e indireta, bem como de todos os pagamentos feitos pelos Estados e pelo Distrito Federal, retidos na fonte, irão para os cofres da unidade arrecadadora, e não para os cofres da União, já que, por determinação constitucional pertencem aos Estados e ao Distrito Federal” (Cretella Júnior, 2018, p. 3714).
Posicionamento do STF e STJ
Inclusive, em eventuais demandas judiciais entre contribuinte e agente arrecadador, já há um posicionamento clássico do STF e STJ de que: “Os Estados e o Distrito Federal são partes legítimas na ação de restituição de imposto de renda retido na fonte proposta por seus servidores” (REsp n. 989.419/RS e RE 698908).
Questões Pendentes e Desafios
Destino dos Valores dos Últimos Cinco Anos
Algo que precisa ser amadurecido pela doutrina especializada e pela Advocacia Pública é a questão do destino dos valores dos últimos cinco anos e, anteriores à decisão da Suprema Corte, que não foram retidos pelos Estados e Municípios. Ora, se a eficácia da decisão do Supremo Tribunal Federal apenas declarou a aplicação do art. 158, I e 159, I, ambos da constituição Federal, que desde de 1988 já previam a titularidade de Estados e Municípios no produto do Imposto de Renda sobre contratações públicas realizadas por eles, qualquer pagamento diferente, seria indevido!
Eficácia da Decisão do STF
Observe-se, contudo, que no julgamento do Tema 1130, o Supremo Tribunal Federal não modulou os efeitos de sua decisão. Pelo contrário, declarou a correta aplicação da norma constitucional, que estabelece que “pertence ao Município, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles (…)”.
Legitimidade Ativa dos Estados e Municípios
Neste caso, os Estados e Municípios da Federação teriam legitimidade ativa para ajuizamento de demandas repetitórias em face da União Federal.
Possibilidade de Demandas Repetitórias
Ainda assim, os pagamentos à União Federal por pessoas físicas e jurídicas contratadas pelos Estados e Municípios deverão retornar aos cofres estaduais e municipais, pois não houve relação jurídico-tributária válida entre o IR e o ente federal.
Fundamentos Legais para Ressarcimento
O fundamento para a previsão legal do ressarcimento destes valores, isto é, da devolução daquilo que foi indevidamente pago, reside, dentre outros, no direito à propriedade privada (CF/1988, art. 5º, XXII); nos princípios da legalidade e moralidade e no princípio segundo o qual ninguém deve enriquecer sem causa.
Princípios da Legalidade e Moralidade
Aquele que recebeu valores que não lhe pertence deve devolver ao seu verdadeiro titular em via administrativa ou judicial.
Análise de Casos e Jurisprudência
Agravo Interno do REsp n. 1.621.691/ES
Esta temática não chegou a ser analisada pelos Tribunais Superiores, embora houvesse uma tentativa no julgamento do Agravo Interno do REsp n. 1.621.691/ES, onde o Superior Tribunal de Justiça não julgou esta situação por compreende-la ser de matéria constitucional.
Aplicação do Art. 884 do Código Civil
Esse caso requer a aplicação do art. 884 do Código Civil, que determina que quem, sem justo motivo, enriquecer causando danos ou perdas a outra pessoa, será obrigado a restituir o que foi indevidamente obtido. O princípio que fundamenta essa questão é o da justiça, que significa dar a cada um o que é seu. Assim, a legislação é clara quanto ao enriquecimento ilícito, estabelecendo mecanismos para que a restituição seja feita à parte prejudicada.
Conclusão
Resumo dos Pontos Principais
Em respeito à segurança jurídica, entende-se ser plenamente viável o ajuizamento de demandas de recuperação de crédito tributário indevidamente recolhido aos cofres federais.
Considerações Finais sobre a Recuperação de Créditos Tributários
Dado que a relação tributária não se configura, conclui-se que a recuperação desses valores é cabível. Ignorar essa possibilidade significaria desconsiderar o fundamento da regra de repartição constitucional.