O Sistema de Registro de Preços (SRP) é um procedimento adotado há muitos anos por órgãos e entidades públicas, com fundamento no art. 15, inciso II da Lei Federal 8.666/93, dispondo que “as compras, sempre que possível, deverão ser processadas através do sistema de registro de preços.”
Como aquela legislação dispõe muito pouco sobre o tema e demanda regulamentação por cada ente federativo, temos diversos decretos contendo regras para operacionalização do SRP. Em sua maioria, os atuais regulamentos têm regras similares às apresentadas pelo Decreto Federal 7.892/2013.
A Lei Federal 14.133/21, conhecida como nova lei de licitações e contratos administrativos, aprofunda no assunto e apresenta a seguinte definição para o SRP:
XLV – sistema de registro de preços: conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos à prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras;
Ademais, a noviça legislação introduz o Sistema de Registro de Preços como um dos procedimentos auxiliares ao processo de contratação pública, como previsto no art. 78, devendo a Administração Pública utilizá-lo quando pertinente.
Na nova legislação foram trazidas diversas regras já presentes no Decreto Federal 7.892/2013, além de inovações importantes como, por exemplo, a possibilidade de registro de preços para obras e serviços de engenharia, a adoção de SRP por meio de dispensa ou inexigibilidade e a prorrogação do prazo da ata de registro de preços.
Neste artigo vamos focar este último tópico para discorrer sobre a vigência da ata de registro de preços e a possibilidade de prorrogação de seu prazo. Será que ao prorrogar o prazo da ata será possível renovar as quantidades originalmente registradas?
Sobre o prazo de vigência da ata de registro de preços, citamos aqui o art. 84 da Lei Federal 14.133/21:
Art. 84. O prazo de vigência da ata de registro de preços será de 1 (um) ano e poderá ser prorrogado, por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso.
Parágrafo único. O contrato decorrente da ata de registro de preços terá sua vigência estabelecida em conformidade com as disposições nela contidas.
Diferentemente da antiga lei geral de licitações, na nova lei o prazo original da ata de registro de preços será sempre de 01 (um) ano, com a possibilidade de prorrogação por mais um ano, se comprovado que o preço ainda é vantajoso para a Administração.
Portanto, neste novo cenário legal, passamos a ter uma importante novidade, já que a ata de registro de preços pode ter vigência de até 02 (dois) anos, para ser utilizada pela Administração diante de suas necessidades de abastecimento. Contudo, sobre o tema surge uma polêmica acerca das quantidades registradas na ata e a possibilidade ou não de renová-las no novo prazo dilatado.
Para ilustrar, vamos imaginar uma ata de registro de preços formalizada pelo prazo de um ano, com a quantidade total de 10.000 resmas de papel A4. Chegando ao final do prazo de vigência da ata, comprovando ser vantajoso o preço registrado, esse prazo poderá ser prorrogado por igual período, como previsto na nova legislação.
Entretanto, essa prorrogação de prazo seria apenas para possibilitar a contratação de um eventual saldo quantitativo que restou na ata ou poderíamos renovar a quantidade original de 10.000 resmas de papel para contratação no novo período?
Como a nova lei é silente sobre o assunto, começam a surgir entendimentos diversos sobre a possibilidade de renovação quantitativa nas atas prorrogadas, inclusive sendo dispostos nos regulamentos dos distintos entes federativos.
O Decreto Federal 11.462/2023, que dispõe sobre o sistema de registro de preços em âmbito federal, no art. 22 menciona a possibilidade de prorrogação do prazo de vigência da ata. Já no art. 23 veda qualquer acréscimo nos quantitativos estabelecidos na ata de registro de preços. Como se observa, o referido regulamento não abordou diretamente o tema da renovação das quantidades.
Apesar das distintas interpretações conferidas ao citado texto normativo, a vedação de acréscimos quantitativos na ata não é novidade. Ela já estava presente no Decreto Federal 7.892/2013 e seu objetivo é evitar o duplo aditamento, caracterizado quando a Administração formalizava acréscimo quantitativo da ata e, após a contratação, procedia a novo acréscimo quantitativo do contrato.
Portanto, a renovação das quantidades na ata não pode se confundir com o acréscimo quantitativo, pois, na verdade, é a manutenção da quantidade originalmente registrada para o período de um ano, decorrente da prorrogação da vigência da ata de registro de preços.
O assunto foi tratado de forma clara no Decreto Estadual 48.843/2023, que regulamenta o SRP no âmbito do estado do Rio de Janeiro:
Art. 20. O prazo de vigência da ARP deverá ser de 1 (um) ano, contado a partir do 1º (primeiro) dia útil subsequente à data de divulgação no PNCP, e poderá ser prorrogado, por igual período, desde que haja previsão expressa na própria ata e as condições e os preços permaneçam vantajosos.
1º É vedado efetuar acréscimos nos quantitativos fixados na ARP, inclusive o acréscimo de que trata o art. 125 da Lei nº 14.133, de 2021.
2º A prorrogação da vigência da ata observará o seguinte:
I – somente o saldo remanescente será mantido;
II – deverá ser indicado expressamente o prazo de prorrogação; III – deverá ser confirmado se os preços registrados permanecem atualizados, por meio de pesquisa de preços realizada na forma do Decreto nº 48.816, de 2023; e
IV – será formalizada mediante termo aditivo.
Assim, observamos que o regulamento do estado do Rio de Janeiro foi bem claro e objetivo ao expressar que na prorrogação da vigência da ata somente o saldo remanescente será mantido.
Por essa lógica, em nossa ata com 10.000 resmas de papel A4, se ao longo da vigência de um ano foram contratadas 7.000 resmas, ficaremos com um saldo de 3.000 resmas a contratar. Logo, sendo vantajoso o preço, poderá ser prorrogada a vigência da ata por mais um ano, de forma a possibilitar a contratação desse saldo restante. Nada além desse quantitativo.
Por outro lado, trazemos aqui o Enunciado 42 do Conselho da Justiça Federal, que enfrentou o tema em agosto de 2023:
Enunciado CJF 42. No caso de prorrogação do prazo de vigência da ata de registro de preços, atendidas as condições previstas no art. 84 da Lei n. 14.133/2021, as quantidades registradas poderão ser renovadas, devendo o tema ser tratado na fase de planejamento da contratação e previsto no ato convocatório.
O enunciado transcrito apresenta posicionamento divergente, sendo favorável à possibilidade de renovar as quantidades da ata prorrogada, desde que seja tratada na fase preparatória do processo e tenha sido prevista no ato convocatório.
Na prática, em consonância com a nova lei de licitações, a quantidade a ser licitada deverá ser definida pela Administração na sua fase preparatória, mais precisamente no Estudo Técnico Preliminar. Naquele artefato de planejamento deverá ser apresentada a devida memória de cálculo em função do consumo anual e provável utilização, como disposto no inciso III do art. 40 da Lei Federal 14.133/21.
Logo, a Administração deve se dedicar ao bom planejamento de suas contratações e definir quantidades compatíveis com sua real necessidade. Dessa forma, espera-se que a quantidade licitada e, consequentemente, registrada na ata, seja aquela suficiente para o consumo durante um ano.
Caso não seja permitida a renovação das quantidades, se contratado o quantitativo total registrado durante o prazo de um ano, a prorrogação da vigência da ata perde razão de existir, já que a quantidade registrada estará esgotada.
Ademais, a impossibilidade de renovar quantidades pode implicar a quantificação a maior pela Administração, no sentido de já prever uma quantidade para consumo durante dois anos, pensando na prorrogação do prazo de vigência da ata de registro de preços.
Ao considerar que estamos diante de uma nova lei de licitações e contratos que dá ênfase à governança, ao planejamento e às inovações das contratações públicas, nos parece mais adequado observar a situação sob a ótica da eficiência.
Neste sentido, se a empresa beneficiária da ata está cumprindo com suas obrigações e o preço registrado se mantém vantajoso, a prorrogação da vigência da ata com a renovação das quantidades por mais um ano, pode acarretar benefícios significativos à Administração. Dentre eles, citamos:
Economia processual, tendo em vista a desnecessidade de abrir anualmente novo processo administrativo de contratação;
Redução potencial dos preços unitários registrados, diante dos efeitos da economia de escala;
Mitigação do risco de licitar novamente e contratar uma empresa que não cumpra as obrigações, gerando prejuízos à Administração.
Diante do novo cenário legal de licitações e contratos e dos apontamentos trazidos neste artigo, em relação à prorrogação do prazo de vigência das atas de registro de preços, concluímos que a renovação das quantidades, desde que prevista na fase preparatória e indicada no ato convocatório, pode ser muito útil e proporcionar uma série de benefícios à Administração.
Sobre o autor:
EDUARDO GUIMARÃES: Mestre em Administração Pública, servidor concursado do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) desde 1999, conselheiro da Rede Latino Americana de Abastecimento, membro da Rede Governança Brasil, autor de diversas obras sobre licitações e contratos. Especialista da Nova Lei de Licitações e Contratos 14.133/21.