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O Impacto da Emenda Constitucional 109/2021 nos Gastos com Inativos e Pensionistas no Âmbito das Câmaras Municipais, de acordo com o Art. 29-A da Constituição Federal

Hamilton Machado Valeriote Júnior
26 de maio de 2025

Sumário do Artigo

A Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021 (BRASIL, 2021), introduziu alterações significativas na redação do artigo 29-A da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), que estabelece os limites de despesa total do Poder Legislativo Municipal. A inclusão da expressão “incluídos os demais gastos com pessoal inativo e pensionistas” tem sido fonte de considerável apreensão para os gestores das Câmaras Municipais, receosos de um potencial aumento descontrolado das despesas previdenciárias imputadas ao orçamento legislativo.

Além do mais, os Tribunais de Contas dos Estados começaram a realizar apontamentos no que tange a observância do disposto no art. 29-A, da Constituição Federal, o que vem deixando muitos Presidentes de Câmara extremamente preocupados. 

Este artigo visa esclarecer essa alteração, oferecendo uma análise fundamentada, com base na legislação e em princípios de direito administrativo e financeiro, sobre quais encargos efetivamente recaem sobre as Câmaras Municipais com a nova redação, buscando clarear o panorama para uma gestão fiscal responsável e transparente.

O Contexto do Artigo 29-A e a Finalidade da Alteração

O artigo 29-A da Constituição Federal (BRASIL, 1988) é um instrumento crucial de controle fiscal, estabelecendo um teto para as despesas do Poder Legislativo Municipal. Esse limite é calculado como um percentual do somatório da receita tributária e de transferências constitucionais específicas (art. 153, § 5º, arts. 158 e 159 da CF/88), efetivamente realizado no exercício anterior. Os percentuais variam conforme a população do município.

Antes da EC 109/2021, a redação mencionava “incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos“. Essa exclusão explícita, embora buscasse isolar os custos diretos da atividade legislativa, gerava, por vezes, uma percepção incompleta do custo total do Poder Legislativo para o erário municipal. Encargos previdenciários, como a contribuição patronal ou aportes para déficits, poderiam ter tratamento contábil diverso ou ser diluídos no orçamento geral, mascarando o impacto financeiro completo ligado ao Legislativo.

A EC 109/2021 (BRASIL, 2021), inserida num contexto de busca por maior rigidez fiscal e transparência nos gastos públicos em todas as esferas – um princípio basilar da administração pública (Art. 37, caput, CF/88) e reforçado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), visou a corrigir essa potencial distorção. Ao substituir a exclusão pela inclusão expressa dos “demais gastos com pessoal inativo e pensionistas“, o legislador constituinte derivado buscou assegurar que todas as despesas vinculadas ao Poder Legislativo, sejam elas com pessoal ativo ou relacionadas ao custeio dos benefícios de inativos e pensionistas, fossem computadas dentro do seu limite específico. O objetivo é dar uma visão mais fidedigna e completa do custo total da estrutura legislativa municipal para a sociedade, alinhando-se aos preceitos de responsabilidade na gestão fiscal (LC 101/2000, Art. 1º, § 1º).

Desvendando os “Demais Gastos com Pessoal Inativo e Pensionistas”

A chave para entender o impacto da nova redação reside na interpretação precisa do que constituem os “demais gastos”. É fundamental distinguir a despesa com o pagamento do benefício (o valor mensal da aposentadoria ou pensão) da despesa com a contribuição ou aporte financeiro para o custeio desse benefício.

Na vasta maioria dos municípios brasileiros, os servidores das Câmaras Municipais (ativos, inativos e pensionistas) estão vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Município – cuja organização é prevista no Art. 40 da CF/88 (BRASIL, 1988) – ou, em alguns casos, ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), gerido pelo INSS. O pagamento dos benefícios (aposentadorias e pensões) é, via de regra, responsabilidade da unidade gestora do RPPS municipal ou do INSS, e não diretamente da Câmara.

Assim, os “demais gastos” que passam a ser explicitamente computados no limite do artigo 29-A para a Câmara Municipal referem-se principalmente a:

  • Contribuição Patronal ao RPPS: A cota de responsabilidade da Câmara Municipal (enquanto órgão empregador) destinada ao RPPS municipal, calculada sobre a remuneração dos servidores ativos. Esta contribuição é uma obrigação legal do empregador para o financiamento do regime (Art. 40, CF/88). Embora calculada sobre os ativos, ela se destina ao custeio geral do regime, que abrange o pagamento de inativos e pensionistas vinculados historicamente ao Legislativo. A EC 109/2021 (BRASIL, 2021) reforça que toda a despesa previdenciária patronal da Câmara entra no cômputo do seu limite.
  • Aportes para Cobertura de Déficit Atuarial do RPPS: Nos casos em que o RPPS municipal apresenta déficit atuarial (insuficiência de recursos para cobrir os benefícios futuros projetados), a legislação federal, notadamente a Emenda Constitucional nº 103/2019 (BRASIL, 2019) e normativos da Secretaria de Previdência, bem como a legislação local, frequentemente exigem planos de equacionamento. Estes planos podem prever aportes extraordinários dos Poderes e órgãos municipais (Executivo, Legislativo, autarquias, etc.). A parcela desse aporte que for de responsabilidade da Câmara Municipal, calculada usualmente de forma proporcional à sua massa de servidores ou à folha de pagamento (incluindo a projeção de seus inativos e pensionistas, conforme definido no plano de custeio e amortização), passa a ser inequivocamente um “gasto com pessoal inativo e pensionista” a ser incluído no limite do art. 29-A. Este é, talvez, o ponto de maior impacto potencial, pois pode representar um valor significativo, dependendo da saúde financeira do RPPS municipal e do plano de amortização do déficit adotado. A responsabilidade pela cobertura de insuficiências financeiras é inerente ao ente federativo (Art. 40, § 2º, CF/88, com redação da EC 103/2019).
  • Pagamento Direto de Complementações ou Benefícios Específicos: Em situações residuais ou específicas (decorrentes de legislação local antiga, decisões judiciais ou regimes em extinção), a Câmara pode ser responsável pelo pagamento direto de alguma complementação de aposentadoria ou pensão, ou outro benefício de natureza previdenciária a seus ex-servidores ou pensionistas. Esses pagamentos diretos, se existirem, também estão claramente abarcados pela nova redação e devem ser somados ao limite.
  • Despesas Administrativas Relacionadas: Custos indiretos, como despesas administrativas da Câmara para gerenciar questões relativas aos seus inativos e pensionistas (recadastramento, controle de dados para o RPPS, etc.), embora geralmente menores, tecnicamente podem ser considerados como parte dos gastos totais relacionados.

Ponto Crucial: A despesa com o pagamento do benefício em si (o valor mensal da aposentadoria ou pensão) realizado pela unidade gestora do RPPS ou pelo INSS não é, em regra, uma despesa direta da Câmara Municipal e, portanto, não entra diretamente no cálculo do seu limite do art. 29-A. O que entra é a contribuição ou o aporte financeiro que a Câmara realiza para o sistema previdenciário que paga esses benefícios, ou seja, a despesa orçamentária da Câmara destinada ao custeio previdenciário.

Implicações Práticas e o Temor dos Gestores

O receio dos gestores das Câmaras Municipais não é infundado, mas precisa ser adequadamente contextualizado:

  • Não Cria Novas Despesas, mas Reclassifica e Explicita: A EC 109/2021 (BRASIL, 2021) não criou, por si só, uma nova obrigação financeira para as Câmaras que já não existisse (como a contribuição patronal regular) ou que não pudesse ser exigida legalmente (como a responsabilidade por aportes para cobrir déficit, conforme legislação previdenciária e Art. 40 da CF/88). O que ela fez foi determinar que essas despesas, que talvez antes tivessem tratamento contábil diverso ou fossem objeto de disputa interpretativa quanto à sua inclusão no limite, devem agora ser explicitamente computadas dentro do teto específico do Legislativo. Trata-se de uma questão de imputação da despesa ao limite correto.
  • Pressão sobre o Limite: A inclusão desses gastos, especialmente os aportes para cobertura de déficit atuarial, pode sim pressionar significativamente o limite de gastos da Câmara. Se o RPPS municipal estiver em situação deficitária grave, a cota-parte de responsabilidade da Câmara pode ser elevada, exigindo um controle ainda mais rigoroso das demais despesas (subsídios, vencimentos de ativos, contratos, etc.) para não ultrapassar o percentual definido no art. 29-A (BRASIL, 1988). Isso pode demandar medidas de eficiência e contenção de outras despesas, conforme preconiza a LRF (LC 101/2000).
  • Necessidade de Planejamento e Transparência: A nova regra exige maior transparência na alocação dos custos previdenciários e um planejamento orçamentário (PPA, LDO, LOA) muito mais apurado por parte das Câmaras. Será imprescindível conhecer com precisão a cota de responsabilidade da Câmara no financiamento do RPPS, incluindo eventuais planos de equacionamento de déficit aprovados. A Lei Orçamentária Anual (LOA) da Câmara deverá prever explicitamente esses gastos em dotações próprias.
  • Diálogo Interpoderes e com o RPPS: Torna-se fundamental um diálogo técnico e transparente entre a Câmara, o Poder Executivo e a unidade gestora do RPPS. É crucial que as metodologias de cálculo da contribuição patronal e, principalmente, da cota-parte nos aportes para déficit sejam claras, justas, tecnicamente fundamentadas (com base em cálculos atuariais, conforme exigido pela legislação previdenciária) e formalizadas, garantindo que a imputação à Câmara seja correta e não excessiva.
  • Papel Orientador e Fiscalizador dos Tribunais de Contas: Caberá aos Tribunais de Contas (Estaduais ou Municipais, onde houver), no exercício de sua competência constitucional (Art. 71, CF/88), orientar e fiscalizar a correta aplicação da nova regra, definindo critérios claros para a apuração e contabilização desses “demais gastos” no limite do Legislativo. É provável e recomendável que emitam normativos, respondam a consultas ou estabeleçam entendimentos em seus julgamentos de contas sobre o tema (verificar jurisprudência e publicações do respectivo Tribunal de Contas).

Conclusão

A alteração promovida pela EC 109/2021 (BRASIL, 2021) no artigo 29-A da Constituição Federal (BRASIL, 1988) representa um passo importante em direção à maior transparência e responsabilidade na gestão fiscal municipal. Ao exigir que o custo relacionado ao financiamento do sistema previdenciário dos servidores do Poder Legislativo Municipal (incluindo a sua parcela na cobertura de déficits do RPPS) seja computado dentro do seu teto de gastos específico, a norma busca refletir de maneira mais completa o custo total da estrutura legislativa para o contribuinte.

Embora a medida possa gerar pressão sobre o orçamento das Câmaras, especialmente naquelas cujos municípios possuem RPPS com déficits atuariais elevados, ela não cria uma despesa inexistente, mas sim realoca e explicita custos já existentes ou legalmente exigíveis dentro do limite constitucional do próprio Poder.

O desafio para os gestores das Câmaras Municipais será intensificar o controle sobre todas as suas despesas, aprimorar o planejamento orçamentário de médio e longo prazo (considerando as projeções atuariais do RPPS) e manter um diálogo técnico e colaborativo com o Poder Executivo e a unidade gestora do RPPS. É essencial que a Câmara conheça e acompanhe de perto a saúde financeira do regime previdenciário ao qual seus servidores estão vinculados.

Recomenda-se fortemente que as Câmaras Municipais busquem orientação formal junto aos respectivos Tribunais de Contas e assessorias especializadas, e, ainda, consultem a legislação previdenciária aplicável (federal e municipal) para obter diretrizes específicas sobre a metodologia de cálculo, as rubricas orçamentárias corretas e a forma de contabilização desses “demais gastos com pessoal inativo e pensionistas”, garantindo assim o fiel cumprimento da Constituição Federal e a sustentabilidade fiscal do Poder Legislativo Municipal a longo prazo.

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Hamilton Machado Valeriote Júnior

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